domingo, 27 de dezembro de 2020

História e técnicas da radioastronomia

Radioastronomia

Um artigo básico, introdutório, que fornece um breve histórico e explica os princípios fundamentais dessa técnica.

É bem possível que a astronomia tenha sido a primeira ciência especulada pela humanidade. Através da arqueologia foi possível obter fragmentos de informações sobre várias civilizações que se preocupavam com os astros. Em épocas mais recentes, tivemos a grande contribuição do mundo árabe, em estudos dos astros e sua posição no espaço. Tanto isso é fato indiscutível que muitas das constelações e astros que conhecemos ainda portam nomes de origem árabe.

Com o advento do rádio, um grupo inquieto de estudiosos dedicou-se a pesquisar os céus, buscando captar sinais que, segundo acreditavam, eram emitidos por outros corpos celestes. Alguns procuravam sinais que evidenciassem a presença de vida inteligente, outros simplesmente desejavam com a sensibilidade dos receptores, ir além dos limites permitidos pelos telescópios óticos. Todos esses esforços redundaram em uma aplicação prática da ciência, conhecida como radioastronomia.

Histórico — Talvez se possa dizer que a radioastronomia, do ponto de vista prático, começou na década de 30, quando o pioneiro Karl G. Jansky, trabalhando nos laboratórios da Bell Telephone, em New Jersey, construiu várias antenas omnidirecionais para captar interferências ou ruído branco. Logo pôde fazer a separação entre as interferências produzidas pelo ser humano (de origem elétrica, industriais e comerciais), as descargas elétricas de nuvens e outro tipo de interferência.

Esses outros sinais levaram à descoberta da camada "E", na parte mais alta da atmosfera, e à captação de sinais eletromagnéticos (ondas de rádio) originários da superfície do Sol. As experiências eram efetuadas na faixa de 20,6 MHz e as antenas de Jansky lembravam o carrossel que a Philips possuía antes da 2ª Guerra Mundial, na Holanda. As antenas estavam montadas sobre um carro que deslizava em um círculo, permitindo esquadrinhar grande parte do céu.

Jansky dividiu os sinais que recebia em três categorias: ruídos resultantes das tempestades locais; ruídos provenientes de tempestades distantes, refletidos pela ionosfera; e ruídos parasitas permanentes, tipo sibilante. Este último tipo foi de início considerado por Jansky e outros membros de sua equipe como desprezível. Julgava-se que este ruído era proveniente do Sol, mas uma observação sistemática veio provar que eram sinais que se originavam no espaço, provenientes, muitas vezes, de direções que não se podia associar com o Sol.

Com a ajuda de um colega (Skellet) e alguns astrônomos tradicionais, calculou que a fonte desses sinais estava situada no espaço, em uma posição que hoje sabemos ser o centro da galáxia em que a Terra está situada. Esta descoberta não foi imediatamente valorizada. Em parte, havia dificuldades na recepção, porque os receptores, na maioria das vezes improvisados, não possuíam sensibilidade e seletividade suficientes para captar e selecionar os sinais desejados rejeitando os demais.

Com o advento de receptores novos e mais sensíveis, foi possível obter melhores sinais e Jansky determinou que os sinais provinham da direção de uma constelação, em nossa galáxia, denominada Sagitário. Em 27 de abril de 1933, Jansky anunciou oficialmente suas descobertas, dando nascimento à moderna ciência da radioastronomia.

Houve muito sensacionalismo. Alguns setores da imprensa fizeram muito alarde, aventurando opiniões de pessoas que diziam ser os sinais prova de civilizações em outros planetas. Outros afirmavam que os sinais eram provenientes da própria Terra. A alta administração da Bell, mostrando uma grande obtusidade, não deu importância aos trabalhos de Jansky e retirou-o do projeto — o que resultou em um período de estagnação, que durou até o princípio de 1940.

Nessa época, Grote Reber, um engenheiro de rádio por profissão, que tinha como passatempo a astronomia e o radioamadorismo, ficou fascinado pelas descobertas de Jansky. Em 1939, utilizando seus próprios recursos e criatividade, construiu uma antena móvel enorme, parabólica, no quintal de sua casa em Wheaton, Illinois. A antena parabólica permitia maior ganho em menor espaço, se comparada às antenas lineares utilizadas por Jansky.

Reber começou também a experimentar a recepção dos sinais do espaço na faixa dos 160 MHz — que, se bem não fossem tão intensos como em 20,6 MHz, devido à antena parabólica e aos modernos receptores de maior ganho eram facilmente recebidos pelo pesquisador. Logo teve a recompensa por seus gastos e esforços: localizou uma região que não era o centro de nossa galáxia e que emitia sinais ou ruídos persistentes, próxima à constelação de Cygnos. Depois verificou que havia emissão de sinais ou ruídos em toda a Via Láctea.

Em 1940 Reber publicou um trabalho dizendo que nossa galáxia era uma fonte de sinais de rádio e, em 1942, produziu o primeiro radiomapa do espaço. O conflito militar entre 1939 e 1945 diminuiu um pouco a atividade da radioastronomia para fins civis, mas com o desenvolvimento dos equipamentos de VHF e UHF para comunicações houve um novo impulso. Nessa época, Edward M. Purcell, da Universidade de Harvard, ganhou o Prêmio Nobel pela descoberta de uma técnica para monitorar os campos magnéticos vibratórios dos núcleos atômicos. Isto teve muita importância para a radioastronomia, pois Purcell sugeriu que as estrelas apresentavam grandes emissões dessa energia. Mais especificamente, os átomos do hidrogênio, que é a substância mais abundante no Universo, deveriam emitir radioenergia com um comprimento de onda de 21 centímetros, exatamente.

Em março de 1951, Purcell e outro colega seu, Harold Ewen, construíram um radiotelescópio para ondas de 21 centímetros e puderam captar os sinais que o próprio Purcell havia dito existirem, seis anos antes. Depois disso as coisas se precipitaram. Na Inglaterra, num local denominado Jodrell Bank, foi construída uma antena parabólica gigantesca, com cerca de 75 metros de diâmetro, graças ao entusiasmo e trabalho de Sir Bernard Lowell, que colocou a Inglaterra em posição pioneira na radioastronomia.

Técnica — A radioastronomia combina a antiga ciência da astronomia e a relativamente nova tecnologia eletrônica. Hoje é possível localizar, no espaço, muito além da capacidade visual do mais poderoso telescópio ótico, a existência de corpos celestes que emitem ondas de rádio. Porém, a construção das antenas captadoras dos sinais enviados pelos astros não é simples, pois requerem grandes dimensões e um mecanismo de rotação complexo e preciso — sem falar nos receptores associados às antenas, que devem ter características muito apropriadas para poder captar a região desejada, considerando as distâncias envolvidas.

Os requisitos mínimos de um sistema para radioastronomia (ou seja, um radiotelescópio) são: alto ganho do receptor; largura de banda ampla; ruído inerente ao receptor o mais reduzido possível; antena com alta direcionalidade. Estes pontos são contraditórios entre si, obrigando a uma grande engenhosidade para se obter um receptor de alto ganho e faixa larga de recepção. Alto ganho e baixo ruído inerente são outros dois pontos controversos, enquanto a direcionalidade da antena opõe-se à largura da banda de recepção. Mas estes fatores foram compensados e atualmente é possível até ao amador possuir um razoável sistema de radiotelescópio.

Um fator que não é elétrico nem eletrônico, mas que coloca sério obstáculo no caminho de quem deseja construir um radiotelescópio é a questão da localização. Terreno amplo, situado em local que lhe permita uma visão sem obstáculos da região do céu que pretende pesquisar é, sem dúvida, uma dificuldade que faz muitas pessoas desistirem logo de início da pretensão de se tornarem radioastrônomos. Os primeiros que se dedicaram a essa atividade eram especialistas em radiocomunicações e pertenciam, quase todos, à União Radiocientífica Internacional (URSI), que congrega até hoje a maioria dos interessados, além de promover congressos e publicar trabalhos. Foi a URSI que constituiu, em 1948, uma comissão sobre ruído extraterrestre; no mesmo ano, a União Astronômica Internacional (UAI) criou uma comissão análoga. Até 1950 não se considerou que fosse importante a pesquisa sobre ruído, do ponto de vista da radioastronomia; o nome da comissão mudou para Comissão de Radioastronomia e o órgão internacional das telecomunicações decidiu reservar bandas do espectro radioelétrico para as observações astronômicas.

Novas técnicas e descobertas — As primeiras descobertas realizadas pelos radioastrônomos basearam-se no princípio de funcionamento dos radares. Antenas utilizadas para equipamentos de radar foram montadas com seu eixo de rotação azimutal alinhado com o eixo da Terra. Com as descobertas angulares dos feixes situados entre 1º e 10º, as antenas foram orientadas para o Sol e a Via Láctea. Isto permitiu uma série de descobertas, tais como as altíssimas temperaturas da coroa solar e as emissões radioelétricas produzidas durante as erupções na superfície do Sol. Esses fenômenos, comprovadamente relacionados com as mudanças que se produziam na ionosfera da Terra, despertaram o interesse dos especialistas de telecomunicações, geofísicos e astrônomos solares.

Nessa ocasião, foi comprovada a inconveniência de se utilizar ondas radioelétricas nos estudos astronômicos. Como a abertura angular do feixe (ou poder de resolução) de uma antena direcional ou telescópio é inversamente proporcional ao seu diâmetro (medido em comprimentos de onda), um radiotelescópio utilizado para um comprimento de onda de 50 centímetros, por exemplo, precisaria de um diâmetro 1 milhão de vezes maior que um telescópio para poder "apreciar" a mesma parcela do céu.

Na superfície da Terra as irregularidades da atmosfera reduzem o poder de resolução dos telescópios óticos a apenas 0,5 segundo de arco. Mesmo assim, para poder competir com a astronomia ótica na elaboração de mapas detalhados de corpos celestes, a radioastronomia deveria dispor de antenas com abertura de meio milhão de comprimento de onda, aproximadamente — isto é, com diâmetros de 5 mil km, para um comprimento de onda de 10 milímetros! Esse problema preocupou por mais de vinte anos os radioastrônomos. O encontro da solução permitiu também grandes progressos no projeto de antenas e técnicas relacionadas com a correção e redução de dados.

Uma das soluções que se apresentava era o aumento das dimensões da antena clássica de refletor parabólico. No caso de ser preciso um alto poder de resolução, a impossibilidade física de se construir estruturas móveis com mais de 100 ou 200 metros significava que só se poderia obter uma abertura que fosse muito ampla, expressa em comprimentos de onda, se estes fossem muito pequenos.

Em tais comprimentos de onda, as pequenas modificações na forma do parabólico podem afetar a focalização efetiva da onda incidente, sendo portanto difícil resolver os problemas mecânicos. O maior e mais eficaz parabólico de um só elemento até agora construído é o refletor de 100 metros de diâmetro em Effelsberg, na Alemanha. Essa enorme estrutura tem sua eficácia assegurada até o comprimento de onda de 1 centímetro, sendo sua abertura 10 mil vezes o comprimento de onda e seu poder de resolução, de meio minuto de arco. Naturalmente essa resolução é inferior à de qualquer telescópio ótico, sendo insuficiente no comprimento de onda de 21 centímetros, por exemplo, que é de grande interesse para os radioastrônomos. Este fato obrigou os radioastrônomos a desenvolver novos tipos de antenas para conseguir um alto poder de resolução.

O primeiro passo, depois do uso de redes de antenas direcionais ou refletores parabólicos, consistiu na técnica de duas trajetórias distintas. Na Austrália, uma dessas trajetórias chegava à antena depois de refletir na superfície do mar, técnica utilizada durante a guerra e bem conhecida em ótica. Na Inglaterra, a segunda trajetória foi obtida por intermédio de uma antena bastante afastada, horizontalmente, da primeira. Esse aperfeiçoamento permitiu descobrir que as rajadas radioelétricas do Sol encontram-se próximas das manchas solares e, o que é ainda mais importante, localizar outras poderosas fontes de radiação no céu.

Observou-se que a posição da primeira delas, identificada também com um telescópio ótico, coincidia com a nebulosa de Caranguejo, que são os restos de uma supernova que explodiu em 1504. Também foi descoberto que a direção de outras poderosas fontes radioelétricas coincidia com galáxias distantes e, sob o ponto de vista ótico, muito afastadas de nossa própria galáxia.

Foi quando surgiram novos tipos de antenas. Um desses projetos consistiu no desenvolvimento do interferômetro de duas antenas, que pode ser utilizado quando o sinal recebido não varia em função do tempo. Basicamente, o radiointerferômetro utiliza duas antenas idênticas, separadas por uma certa distância horizontal. Quando um sinal de rádio, emanado de uma só fonte, chega a duas antenas muito separadas, o sinal combinado de ambas surge como um gráfico de interferência. Um detalhe importante do sistema de radiointerferometria é que a  resolução e sensibilidade aumentam com a separação das antenas entre si. As linhas de transmissão que vão desde a antena até o receptor devem ter comprimento e impedância idênticos.

Em Cambridge, na Inglaterra, foi utilizado um sistema desses, com uma antena fixa na direção leste-oeste e uma segunda antena móvel na direção sul-norte. A resolução do sistema era de aproximadamente 2 graus, em um comprimento de onda de 8 metros.

Na Austrália os progressos desenvolveram-se em outra direção. Em 1951 foi construída em Potts Hill, Sidney, uma rede direcional, em disposição linear, de antenas parabólicas. Com a combinação dessas antenas foi obtido o efeito de uma antena de 1000 comprimentos de onda, e que permitiu uma resolução de 1/20 de grau no comprimento de onda de 20 centímetros. Isto permitiu que pela primeira vez fossem localizadas pequenas regiões solares produtoras de intensa radiação. A primeira rede de antenas era na direção leste-oeste; depois foi construída uma segunda rede, na direção norte-sul, com o que se obteve resoluções de 1/15 de grau. Atualmente, a grande maioria dos radiotelescópios existentes utiliza-se das técnicas de Cambridge e da Austrália.

Com os radiotelescópios, foi possível observar a presença de hidrogênio frio, que emite na banda de 21 centímetros, e não pode ser detectada com telescópios óticos. Também foi possível, com o auxílio dos radiotelescópios, construir um mapa de nossa galáxia e conhecer exatamente sua estrutura. Outras descobertas, como a presença de nuvens de pó estelar, originadas em outras estrelas e planetas associados, trazem novas informações à indagação constante da humanidade: de onde viemos e para onde vamos?

As dimensões dos radiotelescópios aumentaram muito nos últimos anos. Sua resolução já alcança um segundo de grau e espera-se que, em breve, aumentando ainda mais seu poder de resolução, seja possível descobrir a exata origem dos quasares — corpos siderais que emitem sinais radioelétricos com grande regularidade. Um dos resultados paralelos de radioastronomia, na parte que concerne às antenas e aos receptores, foi a questão dos satélites e da recepção dos sinais emitidos pelos mesmos. A radioastronomia contribuiu com a produção de novas técnicas de antenas e receptores de grande sensibilidade nas faixas de 3 e 4 GHz.

Apollon Fanzeres (novembro de 1985)

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